Dossier e Declaração a propósito do "Passe Único" - Maio 2019

No passado dia 1 de Abril o "Andante" passou a funcionar como "passe único" na Área Metropolitana do Porto, com apenas duas tarifas: 30€ até 3 zonas, ou 40€ para toda a AMP. A partir de 1 de Maio as empresas privadas que realizam ligações pendulares no nosso Concelho juntaram-se à STCP, Metro e CP na generalização da utilização deste título de transporte, e em simultâneo foram reduzidas asa tarifas em outros tipos de títulos e carreiras, como é o caso da ligação ao Distrito de Aveiro.

Uma evolução positiva, ainda que com deficiências, que resulta de um esforço de décadas em que os sucessivos Governos foram recusando a ideia e as propostas apresentadas nesse sentido, adiando o cumprimento do imperativo constitucional de concretização de uma rede de transportes adequada aos interesses dos cidadãos.

Em Abril, e porque importa situar historicamente esta questão, a CDU pronunciou uma Declaração Política fundamentada na Assembleia Municipal e nas Assembleias de Freguesia, que abaixo se transcreve.


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Declaração política

Sobre o direito a transporte público mais barato e acessível

A criação em 1976 do "passe intermodal" foi das muitas medidas de profundo alcance social resultante da Revolução de Abril.

Resultado de um processo transformador iniciado ainda em 1975, foi um elemento decisivo, juntamente com a criação dos transportes públicos, para a promoção da mobilidade das populações e para contenção dos preços dos transportes na Área Metropolitana de Lisboa.

A sua criação contribuiu, sem dúvida alguma, para reduzir os gastos familiares fixos com transportes e melhorar a mobilidade das populações, permitindo a sua participação social e o usufruto das actividades culturais, sem despesas de deslocação adicionais.

Por outro lado, contribuiu igualmente para melhorar a rentabilidade em todas as empresas de transporte público, que obtiveram mais passageiros transportados por captação de novos utentes, melhor taxa de ocupação da frota e maior velocidade comercial.

Mas o "passe social intermodal" foi sendo posto em causas pelas políticas de transportes dos Governos que se seguiram, as quais:

Promoveram políticas que atiraram as pessoas cada vez mais para as periferias;

Estabeleceram clara prioridade ao transporte individual, designadamente ao automóvel, sem resolver os problemas dos transportes e até agravando-os.

Não favoreceram os necessários investimentos em infra-estruturas e em frota nos transportes públicos, o que se traduziu em degradação da qualidade, redução da velocidade comercial e redução de passageiros.

Procederam a privatizações de empresas de transportes, que eliminaram a validade dos passes ou criaram outros passes que amarravam o passageiro a uma empresa

Aumentaram o custo dos passes, bem como o dos bilhetes e pré-comprados.

Face a tal degradação, em Abril de 1997 - há já 22 anos - o PCP apresentava o Projeto de Lei 294/VII, que visava confirmar o "passe social intermodal" como título nos transportes colectivos de passageiros e alargar o seu âmbito geográfico na Área Metropolitana de Lisboa.

Durante a sua discussão e votação o PCP salientou que, para além de se pretender salvaguardar o "passe social intermodal" dos ataques e limitações a que há muito vinha sendo submetido, se visava a "adopção de uma política de prioridade inequívoca aos transportes públicos", e para que o passe social intermodal pudesse "no futuro, ser estendido correctamente a outras regiões".

O voto contra do PS, e a abstenção do PSD, ditaram a derrota dessa proposta.

Sem baixar os braços, o PCP voltaria sucessivamente a apresentar a proposta em 2000, através do Projeto de Lei 316/VIII; em 2003, com o Projeto 246/IX, a que se juntou o 247/IX, de criação do passe social intermodal na Área Metropolitana do Porto; em 2004, com o Projeto de Lei 491/IX; em 2005, com os Projetos de Lei 56/X e 57/X; e em 2011, com o Projeto de Lei 67/XII.

Em todos os casos, sem sucesso.

Mas isso não fez vacilar a nossa determinação: em 2016 voltou-se a insistir na proposta, através dos Projetos de Lei 250/XIII e 286/XIII, que de novo viriam a ser derrotados, agora pelos votos contra de PSD, CDS e PS, e abstenção do BE.

Mas finalmente, vinte e dois anos passados sobre o Projeto de Lei 294/VI, fruto do esforço e insistência do PCP, dos autarcas da Área Metropolitana de Lisboa, e da luta das populações, a consagração de um "Programa de apoio à redução tarifária nos transportes públicos" (PART) na Lei do Orçamento do Estado para 2019 veio constituir um avanço de inegável significado em matéria de transportes.

Apesar de subsistirem diferenças relevantes, saudamos o facto de outras forças políticas, que votaram contra as propostas do PCP ao longo dos anos e tão recentemente como 2016, tenham repensado a sua posição e agora apoiem esta relevante medida de democratização da mobilidade, como ficou patente nos discursos de autarcas do PS, mas também do PSD.

Não se trata apenas de um enorme passo na garantia ao direito à mobilidade e ao uso do transporte público: é também uma medida de grande alcance e importância para os trabalhadores, e a população em geral, com repercussões directas nos seus rendimentos.

O PCP orgulha-se de, com a sua intervenção ao longo de anos e a par com a luta dos utentes, sempre acompanhado pelo PEV, parceiro na CDU - Coligação Democrática Unitária, ter sempre perseguido este objectivo, em particular nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, onde se concentra a maior quantidade de deslocações pendulares.

Mas como também se sublinhou desde o primeiro momento em que ganhou forma e concretização este objectivo, esta é uma medida que tem de ser alargada a todo o País.

Foi nesse sentido que o PCP interveio na discussão do Orçamento do Estado para 2019, tendo proposto e visto aprovado um reforço de 21 milhões de euros à verba inicialmente inscrita, bem como uma explicitação mais clara da abrangência nacional desta medida. Um valor que representa cerca de 0,13% da despesa pública, mas que beneficia milhões de portugueses.

Mas não estamos satisfeitos. Há que ter presente:
  • que os avanços nesta matéria têm sido desiguais e se registam atrasos, nomeadamente no alargamento do "Andante" aos operadores privados, a implementação do passe gratuito para menores de 12 anos, ou a do "passe família", entre outros;
  • que há muitos Municípios que não estão agrupados em Áreas Metropolitanas ou em Comunidades Intermunicipais mas que devem igualmente participar desta inovação;
  • o facto de o PART não contemplar diversas  situações de ligações pendulares;
  • e ainda que é necessário que se "garanta a equidade entre as Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto e o restante território nacional" tal como previsto naquele Programa.
Solidarizamo-nos, por isso, com os Municípios que não são ainda abrangidos pelo PART, no sentido de rápida correcção dessa lacuna; apelamos a que a Área Metropolitana do Porto diligencie no sentido de haver uma redução de preço também nos tarifários de movimentações pendulares entre a AMP e outros municípios ou comunidades intermunicipais; juntamos a nossa voz às populações que reivindicam o aumento da oferta intermodal de transportes.

Mais ainda: exigimos da Administração Central, e do Governo em particular, medidas que visem consagrar em legislação o regime de redução tarifária agora inscrito apenas em Lei de Orçamento de Estado; garantir que o Orçamento de Estado para 2020 consolide e amplie os montantes afectos ao PART, quer por via da sua correspondência à anualização da medida (em 2019 a dotação leva em linha de conta a sua entrada em vigor no máximo a partir de Abril), quer por via do reforço real de meios financeiros; o reforço da oferta ferroviária, no imediato pela contratação de trabalhadores que assegurem a partir da EMEF a reparação de material circulante, e a médio prazo pela aquisição de comboios, eletrificação, modernização e expansão da rede; e demais medidas que permitam cumprir plenamente o que estipula o artigo 65 da Constituição, quando refere que incumbe ao Estado garantir "a existência de uma rede adequada de transportes".

2019.04.05
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FUNDAMENTAÇÃO


Constituição da República

Artigo 65 -1976
Habitação e urbanismo
https://www.parlamento.pt/Legislacao/Paginas/ConstituicaoRepublicaPortuguesa.aspx#art65

Legislação

Portaria 783-A/75
Aprova as novas tarifas para os diferentes operadores de transporte
https://dre.pt/web/guest/pesquisa/-/search/402753/details/normal?q=783-A%2F75

Portaria 180-A/76
Põe em execução o preconizado em alguns pontos da Portaria n.º 783-A/75 respeitante à aplicação do sistema tarifário instituído no serviço de transportes colectivos e introduz alterações noutros pontos
https://dre.pt/web/guest/pesquisa/-/search/302570/details/normal?q=180-a%2F76


Portaria 413/76
Define as condições de concessão de passes para a rede geral do Serviço de Transportes Colectivos do Porto
https://dre.pt/web/guest/pesquisa/-/search/430437/details/normal?q=Portaria+413%2F76

Portaria 779/76
Cria passes sociais intermodais para vários operadores de transporte
https://dre.pt/web/guest/pesquisa/-/search/416442/details/normal?q=Portaria+779%2F76

Portaria 229-A/77
Cria novas modalidades de passes sociais para alguns operadores de transporte
https://dre.pt/web/guest/pesquisa/-/search/632405/details/normal?q=Portaria+229-A%2F77

Orçamento de Estado 2019 – artigo 234 (então 178) – proposta original – P.A.R.T.
https://www.parlamento.pt/OrcamentoEstado/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=38606

Orçamento de Estado 2019 – artigo 234 (então 178) – proposta de alteração do PCP
http://bit.ly/2OSqEKj

Orçamento de Estado 2019 – artigo 234 – em vigor
http://bit.ly/2FWJCv1

Despacho n.º 1234-A/2019
Programa de Apoio à Redução Tarifária (P.A.R.T.)
https://dre.pt/web/guest/home/-/dre/119190179/details/maximized?serie=II&parte_filter=31&dreId=119190176

Propostas do PCP

Projeto de Lei 294/VII – 1997
Confirma o passe social como titulo nos transportes colectivos de passageiros e alarga o âmbito geográfico das respectivas coroas.
https://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=5217

Projeto de Lei 316/VIII – 2000
Confirma o passe social inter-modal como título nos transportes colectivos de passageiros e actualiza o âmbito geográfico das respectivas coroas
https://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=5872

Projeto de Lei 246/IX
Confirma o passe social intermodal como título nos transportes colectivos de passageiros e actualiza o âmbito geográfico das respectivas coroas na Área Metropolitana de Lisboa.
https://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=19562

Projeto de Lei 247/IX – 2003
Cria o passe social intermodal na Área Metropolitana do Porto.
https://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=19563

Projeto de Lei 491/IX – 2004
Confirma o passe social intermodal como título nos transportes colectivos de passageiros e actualiza o âmbito geográfico das respectivas coroas na área metropolitana de Lisboa.
https://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=20580

Projeto de Lei 56/X – 2005
Cria o passe intermodal na Área Metropolitana do Porto.
https://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=20811

Projeto de Lei 57/X – 2005
Confirma o passe social intermodal como título nos transportes colectivos de passageiros e actualiza o âmbito geográfico das respectivas coroas na área Metropolitana de Lisboa
https://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=20812

Projeto de Lei 67/XII – 2011
Confirma o passe social intermodal como título nos transportes colectivos de passageiros e actualiza o âmbito geográfico das respectivas coroas na Área Metropolitana de Lisboa
https://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=36462

Projeto de Lei 250/XIII – 2016
Confirma o Passe Social Intermodal como título em todos os transportes coletivos de passageiros e atualiza o âmbito geográfico das respetivas coroas na Área Metropolitana de Lisboa
https://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=40425

Projeto de Lei 286/XIII – 2016
Consagra o "Andante", passe social intermodal da Área Metropolitana do Porto, como título em todos os transportes coletivos de passageiros e atualiza o âmbito geográfico do respetivo zonamento
https://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=40582

NOTA sobre as votações dos PL 250/XIII e 286/XIII

Tendo sido formalizadas respetivamente em 27.5 e em 15.7.2016 as propostas de Lei 250/XIII e 286/XIII (do PCP), mais tarde, em 16.9.2016, foi oportunisticamente apresentado pelo BE um "Projeto de Resolução" (467/XIII) que, na prática e objectivamente, visava libertar o Governo de responsabilidades, descomprometendo-o de uma forma que não ocorreria com uma Lei.

O PCP, o PSD e o CDS votaram contra, o PEV absteve-se, PS BE e PAN votaram a favor, pelo que não foi aprovada; contudo, era o "guião" que o PS queria e que seguiu, e daí os problemas que ainda subsistem e que se mencionam no final da DP.

Na oportunidade, o PCP emitiu a seguinte declaração de voto oral:

"O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr. Presidente, as iniciativas legislativas do PCP com as soluções concretas que apontámos para o passe social e para o Andante nos transportes públicos foram rejeitadas com os votos contra do PSD, do PS e do CDS-PP e com a abstenção do BE.

Propusemos um passe para todos os operadores e todas as carreiras das Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto e a reposição dos preços reduzidos em 50% para estudantes, reformados e pensionistas. Foi isso que foi chumbado há pouco.

Durante meses, tivemos câmaras e assembleias municipais, assembleias de freguesia, por unanimidade, a manifestar o seu apoio especificamente a estas iniciativas do PCP. Faz hoje precisamente um mês que foi lançado um abaixo-assinado a favor da adoção destas medidas no sistema tarifário. Na Área Metropolitana de Lisboa, neste mês, recolhemos mais 7000 assinaturas, expressão direta dessa exigência e dessa expectativa, que agora teve este destino por responsabilidade destes partidos.

Se o PSD, o PS, o BE e o CDS mantivessem a mesma posição e o mesmo sentido de voto que tiveram nas autarquias locais em defesa e apoio destas propostas do PCP, elas teriam agora sido aprovadas.

Infelizmente, disseram uma coisa lá e dizem outra aqui — não é a primeira vez que isto acontece.

Mas queremos dizer aqui que não vamos desistir de defender esta proposta, porque ela é justa e necessária e é uma exigência das populações. Vamos, seguramente, voltar a esta discussão na Assembleia da República
."

(in http://bit.ly/2G1RqvF)


Notícias

1997
http://www.pcp.pt/actpol/temas/transpor/a9710014.html

2000
http://www.pcp.pt/ar/legis-8/projlei/pjl316.html,
http://www.pcp.pt/actpol/temas/transpor/sg20001006.html

2003
https://www.pcp.pt/projecto-de-lei-no-247ix-passe-social-intermodal-na-area-metropolitana-do-porto

2004
http://www.pcp.pt/actpol/temas/transpor/a20040212-3.htm

2005
http://www.pcp.pt/projecto-de-lei-no-56x-passe-social-intermodal-na-area-metropolitana-do-porto

2016
http://gandaia.info/?p=10995

2017
https://www.publico.pt/2017/03/10/local/noticia/area-metropolitana-de-lisboa-quer-criar-um-passe-unico-e-ja-estuda-o-impacto-da-medida-1764645

2018
http://www.pcp.pt/consagra-andante-passe-social-intermodal-da-area-metropolitana-do-porto-como-titulo-em-todos-0