Homenagem a Adriano Correia de Oliveira - texto de JS

Foi aqui bem perto, em Avintes, que Adriano cresceu e viveu, e nos deixou, numa tarde triste de Outono, há 25 anos. Por ele e para ele, escreveu Ary:



“O teu coração de ouro veio do Douro

Num barco de vindimas de cantigas

Tão generoso como a Liberdade.

Resta de ti a ilha de um tesouro…”




O seu canto e a sua luta marcaram tão profundamente quantos o conheceram e acompanharam, que a sua evocação constitui hoje um acto natural de homenagem e reconhecimento.



Pelo seu exemplo cívico, pois sempre o encontramos nas grandes lutas em defesa da Liberdade e da Paz, da Justiça Social, e, mais tarde, já depois da alvorada de Abril se ter feito dia pleno, nas exaltantes jornadas de construção da Democracia.



Pelas suas qualidades humanas, de generosidade, de partilha, desprendimento de si, de rectidão de carácter, de bondade, que a todos envolviam num halo de amizade e simpatia.



Pelo seu canto – límpida água e puro cristal –, que incansavelmente levou desde os grandes auditórios urbanos até às mais longínquas aldeias, por vezes sem o mínimo de condições técnicas mas onde o mais importante era entregar a sua voz, numa oferenda de beleza e de emoção, de razão e de encantamento, lá onde se forjam as vontades e nascem os movimentos de ruptura e emancipação.



Quem o pôde ouvir jamais o esquece, pois a sua voz não cessa de ecoar e chega até hoje como um grito de rebeldia e insubmissão. "Venho dizer-vos que não tenho medo // a verdade é mais forte que as algemas", cantava ele na sua voz de menino, que nunca amadureceu para os mercadores de consciência.



Adriano Correia de Oliveira fez parte de uma geração marcante – a dos grandes protestos estudantis pelo fim da guerra colonial, pela liberdade, quando a canção andava de mãos dadas com a luta, quando – ele próprio escreveu, a linguagem musical se fundiu com a literária, quando palavras e melodia impregnavam um incontível movimento de mudança e libertação, a que só o 25 de Abril veio a dar corpo.



Foi a geração de José Afonso, de José Carlos Ary dos Santos, de Carlos Paredes, e de tantos outros artistas que hoje continuam a criar e a cantar, neste "mundo composto de mudança".



Lembrar Adriano não é um gesto de saudade – saudades só do futuro, como disse o grande poeta José Gomes Ferreira – mas um modo de projectar no presente a memória de quem não abdicou de agir quando o medo tolhia, de cantar para romper a lei do silêncio, de ser um homem livre em tempo de servidão.



Como a sua voz, a sua obra, o seu exemplo são tão necessários hoje…



Hoje, quando o medo volta a habitar o quotidiano, hoje, quando a Democracia fica à porta de tantas empresas, hoje, quando direitos essenciais são violados ou proscritos, hoje, quando a opulência de alguns afronta a pobreza e exclusão de cada vez mais, hoje, quando o emprego é sacrificado para enriquecimento dos poderosos, hoje, quando a censura emerge na forma de auto-censura e a manipulação mediática refina os seus métodos, hoje, quando a Cultura é desvalorizada, hoje, quando às demenciais guerras impostas pelo Império urge erguer um clamor de paz, como faz falta a voz límpida, insubmissa, de Adriano.



Por tudo isto, o PCP não pode deixar de, nesta sessão, se juntar a todos os que vieram a este palco homenagear Adriano Correia de Oliveira, porque foi um comunista de sempre, até aos últimos dias da sua vida, e aquele seu canto, aquele modo de ser amigo, solidário, de ser firme e corajoso, continua presente nas nossas lutas de hoje pela liberdade, pela dignidade do trabalho, pela Paz, pela materialização dos valores democráticos e humanistas.



Como faz falta a voz límpida, insubmissa, de Adriano…



Jorge Sarabando

(em representação da Comissão Concelhia de V N Gaia do PCP, no Concerto de Homenagem a Adriano, em 5.5.2007, no Auditório Municipal de V N Gaia)